Como este email dá início à newsletter, acho melhor explicar um pouco da ideia por trás desse projeto pessoal: eu estou muito cansado das discussões em tecnologia serem centradas em empresas, que se fale da economia intermediada por serviços online apenas falando de faturamento de empresas gigantes, de igual forma estou demasiadamente cansado da passividade decorrente disso tudo. Há algumas iniciativas que vão na contramão do discurso puramente tecnocráta. Por menor que seja o alcance desta newsletter, mesmo com tão pouco, busco tanto dar visibilidade quanto engrossar o coro.
Sobre o tema de hoje vou fugir radicalmente do lugar-comum onde praticamente todos sempre chegam: não vou listar plugins, ferramentas, serviços nem nada do tipo, existem muitos sites feitos para isso como o PrivacyTools. Não nego a utilidade de medidas imediatas, mas elas são só isso, medidas imediatas e não soluções de longo prazo. A impressão que tenho sempre que vejo falarem para as pessoas se protegerem da vigilância é que é algo entre responsabilizar pessoas comuns ou então dizer qual é o papel delas esse jogo de gato e rato promovido por essas políticas empresariais que colocam a coleta do maior número de informações de usuários no centro de suas atividades econômicas.
É inteiramente compreensível o caminho imediato ser a busca por se proteger, e as escolhas de navegadores como o Firefox ou o Brave em investir em privacidade são realmente boas apesar de claramente ser uma estratégia para surfar na popularidade do tema. Mas é bem pouco comum haver discussões sobre soluções de médio ou longo prazo. E se hoje já usamos tantos plugins com foco em privacidade, navegadores com tantos recursos de privacidade (não estou falando do Chrome), a grande popularização das VPNs, discursos sobre a necessidade de criptografia e tudo o mais, para o futuro só podemos imaginar uma situação ainda pior, especialmente com o uso de reconhecimento facial em câmeras de segurança pelas forças policiais (esse é um assunto tão tenso que deixarei para uma edição futura dessa newsletter). O fato é que já existem óculos, cortes de cabelo, maquiagem, roupas, máscaras e coisas que não sei explicar o que são, que servem justamente para burlar esses algoritmos mas a longo prazo, para ter algum tipo de privacidade, precisaríamos andar todos aparelhados assim igual nossos navegadores são carregados de plugins? Algum dia teríamos de andar com algo semelhante a uma burca altamente tecnológica só para não sermos rastreados por algoritmos?
É realmente interessante como parece haver até mesmo um gosto pela estética em alguns casos, e de certa forma há de fato uma sensação de estarmos por um caminho sem escolhas e portanto sinto muitas vezes como se essa distopia fosse abraçada (especialmente por designers). Mas, parafraseando Paulo Freire, se a tecnologia é uma criação humana, ela vai se destinar ao que as pessoas querem que se destine, obviamente "as pessoas" no caso da tecnologia envolve quase que exclusivamente quem tem domínio técnico e/ou recursos financeiros para ter os meios de implementar em produção o que quiser. Eu só gostaria de ressaltar que como em tudo nas sociedades humanas, não há consensos, não há passividade de fato ainda que as ações que busquem favorecer as pessoas comuns em detrimento dos abusos empresariais e governamentais não sejam tão divulgadas, afinal nem tem como comparar a publicidade de grupos muitas vezes formados por voluntários com o aparalhamento realmente oneroso de um bom departamento de marketing com cifras inimagináveis para gastar em propaganda que diz que quanto menos pricvacidade você tiver, melhor, afinal as big techs "sempre estão certas" (sinto muita falta de programas como Família Dinossauro na TV aberta).